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Manoel Martins Chaves
A prisão do Coronel Manoel Marlins Chaves,
gramie potentado da Ribeira de Acaracu, é um dos
tacn is mais notáveis, quiçá o mais notável, na admi-
nistração de João Carlos. Foram os primeiros a tratar
delle Henry Roster em suas Viagens Scientificas e His-
tóricas do Brazil nas 1'rovincias de Pernambuco, Ceará,
Parahyba e Maranhão, Cap. 7.", e Roberto Southey
na stia Historia do Brazil, tomo b."
Escreveu o primeiro :
A ta.niiia dos Feitosas, existente nas capitanias do
Ceará e do Piauhy, possile vastos dominios cobertos
de gados. \a administração de João Carlos, os ho-
mens dessa família haviam atiingido a tal grão de po-
der e de independencia, que recusavam-se a obedecer
as leis civis e criminaes e castigavam as offensas por
sua propria autoridade; os individuos culpados para
com eiles eram publicamente degolados nas povoações
do interior; o pobre que se recusava a obedecel-os,
morria, e o rico que não pertencia ao seu partido via-
se forçado a calar e a tolerar actos que reprovava. Os
Feitosas descendem de Europeus mas varios ramos
dessa tannila são de sangue misturado e não ha talvez
nella uma só pessoa que não tenha nas veias sangue
brasileiro. O chete, coronel de Milicias, podia, á pri-
meira vo/j por cem homens cm anua-, o que equivale
a vinte vezes o numero de um lugar pouco habitado.
Accolhia desertores e aos que matavam poi- vingança;
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não accettando, porem, ladrões e muito menos os que
assassinavam para roubar.
De Lisboa recebeu João Oírlos ordens secretas
para apoderar-se da pessoa desse chefe da familia Fei-
tosa e o seu primeiro passo foi avisal-o de que o iria
visitar num dia que determinou, afim de passar revista •
no seu regimento. A povoação é próxima do mar, mas
por terra fica bastante longe da capital. Feitosa promp
tificou-se a receber S. Exc, que no dia indicado, se-
guido de dez ou doze homens, ericaminhou-se para a
povoação onde o coronel o recebeu com a maior cor-
tezia, havendo já reunido toda a sua gente afim de
abrilhantar a revista, finda a qual retiraram-se todos
para suas casas, mui caucados do exercício do dia,
mesmo porque a mor parte morava longe. A' noite, o
coronet e alguns dos seus mais próximos parentes,
accompanhados do governador, dirigiram-se para a
casa, e quando se dispunham todos a ir deitar-se, João
Carlos, fazendo signai aos da sua comitiva, eucami-
nhou-se para Feitosa apontando-lhe uma pistoila ao
peito e os seus companheiros procedendo do mesmo
modo para com os parentes e creados, que nenhuma
resistencia poderam oppor á tão imprevisto ataque,
ainda mais por serem em numero menor.
João Carlos disse a Feitosa que se fizesse movi
mento ou gritasse, podia considerar-se morto embora
elle soubesse que morreria também. Conduzindo o a
uma porta do quintal fcl-o montar, e aos outros pre
sos cm cavallos que já alii se achavam promptos e di-
rigiram-se á praia, onde chegando pela madrugada em-
barcaram em jangadas que os levaram á bordo de um
navio que bordejava perto.
Pouco depois deu-se o alarme na povoação e mal
o governador poz pé no navio, vio na praia os parti
darios do coronel, que. embarcando em jangadas, dispii-
nham-se a alcançal-o. Era porem tarde ; o navio fazendo-
se ao largo, foi desembarcar o governador na capital
c seguio a sua derrota.
Suppõe-se que Feitosa se achava na cadeia do Li
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nioeiro, quando os Francezes entraram em Lisboa e
que ali morrera ou que por elles fora posto em li-
berdade ; os seus parciaes ainda esperam vel-o vol-
tar; entretanto depois desse acontecimento estabeleceu-
se entre elles a desunião, e a família, privada dos che-
fes, deixou de ser temível. Nos costumes do Brazil
opera-se vantajosa mudança e o paiz affasta-se á lar-
gos passsos de sua meia barbaria».
Nestes termos é a narrativa de Southey. :
; Possuía a familia dos Feitozas vastas fazendas no
Piauhy e Ceará, e abusando da sua influencia, como
os poderosos dos peores tempos de anarchia, procedia
com inaudita violencia, chegando a mandar matar quem
a offendía ou desobedecia ás suas ordens. Coronel da
ordenança no seu termo era o chefe da casa, e este,
i alistando ao seu proprio serviço desertores e assassinos
que houvessem perpetrado este crime por motivos pes-
soaes, não para roubar, tinha ás suas ordens mais de cem
destes capangas como alli os chama vão, força assaz con-
siderável em paiz tão pouco povoado. Recebeu o gover-
nador do Ceará, João Carlos, instrucções secretas de
Lisboa para prender este homem. Sendo summamente
arriscada a diligencia, recorreu o governador a um es-
tratagema que muito devia custar ao seu caracter hon-
rado. Avizou Feitoza de que ia visital-o, para passar-
Ihe revista ao regimento e effectivamente se apresen-
tou em casa delle seguido de dez ou doze homens.
Passou-se a revista, debandou a gente cançada do exer-
cício do dia, e ao pensar Feitoza que ião os seus hos-
pedes recolher-se para passar a noute, poz-lhe o go-
vernador de repente uma pistola aos peitos, dizendo-
Ihe que se fizesse a menor resistencia ou tentasse dar
rebate, immediamente o mataria, embora a custa da
propria vida. Da mesma forma foram sorprehen-
didos e amarrados os familiares de Feitoza que se acha-
vão presentes, levados para uma porta trazeira, postos a
cavallo e conduzidos d'alli para fora. Toda a noute ca-
valgarão até que pela manhã alcançarão a costa, em cu-
jas aguas cruzava um navio. Promptas estavam alli
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6 REVISTA TRIMEN'SAI.
jangadas para o transporte pára bordo, e mal se eífee-
tuava o embarque quando appareceu ¡i vista a gente de
Feitoza tarde de mais para o resgate. O chele fui reinet-
tido para Lisboa e allí mettido no Limoeiro, onde se
suppõe que ou morreria ao tempo da retirada da fa-
milia real ou seria posto em liberdade pelos Francezes..
Como se vê, a narrativa de Southey, que impres-
siona desagradavelinente a quem quer que a leia pela
aleivosia, que empresta ao governador João Carlos, é
uma copia servil da que Koster escrevera.
Agora ajunto eu : nina c outra são um tecido de
inexactidões.
Martins Chaves, bem como o irmão João Ferreira
Chaves, era natural da Capitania mas não era propria-
mente um Feitosa. Por algum tempo suppul-os Bahianos.
Filho de José de Araújo Chaves e de D.a Lusia de Mattos
e Vasconcellos, casou com a sobrinha D." Ursula Gon-
çalves Vieira, filha de João Ferreira e de IV Anna Gon-
çalves Vieira Mimosa, e teve uma unica filha, D.'1 Anna
Gonçalves, mais conhecida por IV Anna do Cococy,
com quem consorciou-se o T.te Corojiel José do Valle
Pedrosa. Foi também seu irmão Antonio da Costa
Leitão.
Homem de enorme e indisputada influencia, que
lhe advinha dos cargos de que estava investido e da ri
queza que possuía, tinha a propria importancia aug-
mentada pela dos Leitosas, familia extensa e poderosa,
com que estava entrelaçado e que o reconhecia por chefe.
Collocado em tal situação de poderio, fizera de
sua prepotente vontade a lei daquelles sertões e para
exercel-a não trepidava commetter quaesquer actos por
violentos, arbitrarios e reprováveis que fossem. Sob seu
patrocinio grandes agrupamentos de malfeitores vi-
vivam a depredar e a perseguir a população, promptos
ao serviço, submissos ás determinações do despótico
patrono.
Os actos de infracção da lei e os ataques á vida
e á propriedade accentuando-se naquellas longínquas
paragens chamaram sobre tal turba desorientada e má
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a attenção das auctoridades na Metrópole e impuseram
ao poder publico a obrigação de cohihil-.i e castigai a,
sendo nesse sentido transmútalas para os administra-
dores e juizes da colonia Avizos, Consultas e Ordens
Regias. A morte em 17QÕ do juiz ordinario de Villa
Nova d'F.l-Rey, hoje Campo Grande, Antonio Barbosa
Ribeiro, decidiu o governo a tomar medidas rigorosas.
Governava então o Ceará Feo e "forres, a quem
substituiu por pouco mais de um mês um governo in-
terino até a chegada do governador nomeado, Bernardo
Manoel de Vasconcelíos, o 1." dos governadores do
Ceará sem subordinação a Pernambuco, sendo o 2."
João Carlos Augusto de Oeynhausen, o futuro Sena-
dor e Marquez de Aracaty.
O Juiz Barbosa Ribeiro era casado com í).a Pon-
ciana Ribeiro e teve por irmans D." Apolónia, que ca-
•sou com o português Miguel Alves Ferreira (tatar.ivós
do Dr. Rayimmdo de Farias Brito pela linha materna),
D.a Albina, casada com Geraldo Ferreira Passos (tata-
ravós do Des.or Felix ("andido e Dr. Theodoreto Souto
pela linha materna), D. Anna, casada com João de l'aria
Leite, D.'1' Isabel, casada com o C.el Felixjose de Sousa,
filho de Francisco de Souza e sobrinho do P.e Mororó,
e D." Francisca que foi esposa do Major Cândido de
tal (não sei o sobrenome).
D.a Albina Passos foi a doadora de meia legoa de
terra na hoje cidade de Ipu, á margem esquerda do
Ipuçaba, para patrimonio do Padroeiro do logar, o
Martyr S. Sebastião, sendo que ao mesmo santo doou
o português Manoel Alves Fontes outra meia legoa
á margem direita, isto é, no caminho que vae para
Cratebus.
A iuimisade entre Martins Chaves e Barbosa Ri-
beiro, segundo a tradicção, proveio de motivo futilis-
simo: uma corrida de cavallos. O cavallo de Barbosa
tendo sido vencedor, Martins Chaves quiz compral-o,
e sendo recusada a offerta dois seus sobrinhos para
ser-lhe agradáveis mataram o animal. Dani a desavença
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ò REVISTA THIMKNSAL
e suas tristes consequências. Mais uma vez uma bara-
ttila gerava males sem couta.
Para acirrar a animosidade entre elles havia tam-
bém o ciúme originado das preferencias, que o gover-
nador Moutaury mostrava por Barbosa e de ultimo a
eleição deste para Juiz ordinario.
A's d horas do dia ì de Março de 1705 morria
Itorbosa assassinado.
A casa da victima, não sei si ainda hoje existente,
que até a alguns anuos ïoi propriedade de Joaquim Soa-
res, demorava nos iundos da egreja. liscalaram-na a
machado os assaltantes, destruindo as portas da rua e
do quintal e duas do interior. Barbosa, ferido, correu
e foi morrer abraçado aos pés do Cruzeiro que tam-
bém ficou crivado de balas, como até bem pouco
tempo se podia ver no corredor da Egreja dos Pra-
zeres, para onde foi transportado peîos missionários.'
Esse Cruzeiro de cedro é um dos muitos construidos
por Frei Vital, ("orno aggravante, circumstancia, que
horrorizou os coevos, diz-se que a victima implorava
que o deixassem confessar-se e o vigário estava pre-
sente e a nada assentiram os matadores.
Segundo logo correu, eram elles Felippe Nery,
dois filhos e dois sobrinhos, Manoel Cabral, José Ca-
bral, Bento Cabral, Antonio Cabral, Felix Ribeiro
Fialho, um negro de João Ferreira Chaves de nome
Pedro, que por ¡requentar a casa do juiz conseguira
molhar as armas, impedindo assim qualquer resistencia,
o P.e José Maria, português, ex-coadjuetorda villa, ao
todo cerca de 30 individuos, uns de cara descoberta
outros disfarçados.
No complot entrara Felippe Nery para vingai- um
irmão, que por ter ja tentado contra a existencia do juiz
fora perseguido pelos ofíiciaes de justiça e morto na
resistencia á prisão.
O cadaver, vestido apenas de uma camisa de li-
nho e ceroulas do mesmo panno, apresentava.como fe-
rimentos uni tiro no hombro esquerdo, duas estocadas
na parte superior do lombo direito, uma facada no
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estomago c outra no pulmão direito. Não contentes coiti
isso, os assassinos quasi deceparam-lhe a cabeça agolpes
de foice ou faca.
Por occasião do assassinato foi lambem morto João
iio Nascimento, afilhado de Barbosa, que procurava
defendel-o e ficaram feridos Manoel Carlos de Mello c
Antonio da Silva Bezerra.
O corpo de delicto foi feito na casa de residencia
do Tabellião Antonio Carlos,'presentes o juiz ordinario
Bernardo Francisco de Oliveira e os officiaes de justiça
José Paes Barreto e Manoel da Costa Silveira.
Da devassa procedida pelo Ouvidor José Victo-
rino da Silveira, que a remetteu a D. Thomaz José de
Mello a 27 de Setembro de 1796, sairam culpados o
Capitão-mor Bernardino Gomes Franco e seu tio C.<=l de cavallaria auxiliar Manoel Martins Chaves como mandan- tes e como mandatarios Felippe Nery, seus filhos Sebas- tião e Manoel e seus sobrinhos Victor e Raytnundo, os cabras Theodozio, João Pereira, Felipe Marçal cseu irmão Amonio, Manoel Ferreira pur alcunha o abbaile, loão Alarlins oão de Araújo, Bernardino, João Fer- nandez José Dias, Francisco Ribeiro, Fuiz Antonio, Domingos Ferreira, o cremilo Semeão e o preto Pedro, os quaes ioram pronunciados a 29 de Julho de 179b- Depuseram no processo como testemunhas : Ali- ionio Ribeiro l.ima, branco, negociante em S. Pedro, Luiz Gonçalves da Silva Cambraia, pardo, Officiai de Justiça, José Gervasio da Silva, branco, agricultor, Je- ronvmo da Costa Pimentel, branco, fazendeiro, Antonio Carlos da ('unha. branco, Tabellião e escrivão da Ca- mará. Miguel Alves de Souza, branco, fazendeiro, Mi- guel Fernandes Gama. pardo, agrimensor, Fran.ci' Vi- eira Ribeiro, pardo, plantador c .Manoel Carlos de Mello. Conhecidas as conclusões da devassa, ficam in- comprchcnsivcis os seguintes trechos de um escripto de Paulino Nogueira, de grata memoria, no jornal Constituição-, auno de 1884. Quando o conselheiro Araripe exerceu a chefa- Page 8
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lura de Policía em fernambuco teve occasião de pes-
quizar na secretaria do governo a copia autheiitica
de urna Devassu, que t'a/ a luz sobre esse ponto, F'
della que recolhi as informações exactas, que vou ex-
ternar.
O coronel Manoel Martins Chaves c seu sobrinho
francisco Xavier de Araújo Chaves, attribuindo ao juiz
ordinario da Villa-Viçosa, Antonio Barbosa Ribeiro, o
assassinato do genro do mismo coronel, capitão-inór
Bernardino (jomes franco, accommelerain o juiz em
sua propria casa, na villa; c este, depois de ferido,
podendo correr para a rua, foi ahi mesmo traspassado
de golpes que o acabaram de matar.
A mulher, indignada, recolhendo as roupas eu
s.mguentadas do desgraçado esposo, ponde chegar á
Lisboa para reclamar justiça da Soberana .
A verdade histórica é muito outra. A copia da de-
vassa, que Araripc diz ter examinado quando Chefe de Po-
licia de Pernambuco, coutem erros insanáveis, chegando
ao ponto de chamar Barbosa Ribeiro juiz ordinario de
Viçosa quando era de Villa Nova d'f 1 Rei, não merece
ser lomada em consideração. Não a creio autiientica
pois nella ha inteira confusão ou inversão dos perso-
nagens do drama. Bernardino Gomes Franco nunca foi
assassinado, e si nunca o foi como é possível filiar o
crime de '3 de Março a uma vindicta de Marfins Cha-
ves e do sobrinho Francisco Xavier contra o supposto
criminoso, que no caso seria Barbosa Ribeiro ? A ver-
dade é que Bernardino franco foi um dos mandantes
do crime e a vidima o infeliz juiz, isso é o que é.
Bernardino era filho do sargeiíto-nior de egual
nome, português de Caseies, Patriarchado de Lisboa, e
de Dr1 francisca de Mattos e Vascoucellos, irmã de
Martins ("haves. Sobrinho de Martins Chaves, portanto, e
não genro. Não victima, mas connivente no crime. Foi re-
mettido para Portugal pelo governador do Maranhão, que
o houve ás mãos; munido, porem, de largo cabedal, que
a íatntiia lhe entregara para alcançar a absolvição pro-
pria c dos co-reus, conseguiu livrar-se e voltou ao
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DO INSTITUTO DO CHARA lï
Brazil. A pena que !he impuzerain foi a de não mais
pôr o pé em Cratehus e Serra dos Cocos. Vindo pelo
Rio Grande do Norte, enamorou-se em Porto Alegre da
irmã do Ajudante Victorino da Silveira Gadelha e com
ella consorcíou-se.
Era homem que ja tinha mettido no tronco com gri-
lhões aos pés a juizes, almotaceis e vereadores de ca-
mará, Domingos Rodrigues por exemplo. . Bernardino
Gomes Franco, diz João Carlos em 2 de Abril de
1806, conseguindo hum perdão não merecido tornou
para a Parahyba, mudando de terra não mudou de cos-
iumes, como pode informar o respectivo governadora.
As ordens expedidas para prender Martins Chaves
e seus principaes collaboradores na obra de perturba-
ção e violencias de que era theatro a Capitania ve-
nham, como eu ja disse, de longa data, do tempo de D.
Thomaz José de Mello, de quem conheço a correspondencia
a respeito endereçada em Dezembro de 1796 a D. Fer-
nando Antonio de Noronha, governador do Maranhão ;
ha Cartas Regias e Avisos da Secretaria de Estado em
data de Junho de 1800 a D. Diogo de Souza e deste a
José Coelho de Vasconcellos em Novembro do mesmo
anno, auetorisando o emprego de todos os meios para
se levar a cabo essa importante diligencia ; mas o que
jamais conseguiram governadores, ouvidores, capitães-
mores e juizes ordinarios obteve-o a sagacidade de João
Carlos sem resistencia alguma, sem effusão de sangue.
Deliberado a fazer a prisão, João Carlos annunciou
uma revista geral dos regimentos da Capitania. Feita a re-
vista das tropas de Villa Nova de El-Rei, Martins Chaves
com alguns membros mais importantes de sua clientela
quiz ser agradável ao governador e para render-lhe fine-
zas e homenagem decidiu-se a acompanhal-o até certa al-
tura do trajecto. No sitio Barriga o proprietario, um
padre, insinuou-Ihes que se escondessem, por ter razões
para desconfiar dos intuitos do governador.
HEV. DO INSTITUTO 2
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12 REVISTA TRIMKN8AL
Bernardino Franco acceitou o conselho e desappa-
receu, mas Martins Chaves e o sobrinho Francisco Xa-
vier desprezaram o aviso e seguiram com a comitiva até
Ibiapina, onde tudo dispuzera João Carlos para a ex-
ecução do plano traçado. Como garantia do éxito da
medida a tomar seguira para la com 400 indios fre-
cheiros Manoel da Silva Sampaio, director dos Indios
de Viçosa, a quem substituiu no posto Francisco Mi-
guel Pereira Ibiapina.
Esse Manoel da Silva Sampaio foi pae de João
da Silva Sampaio, conhecido por Sampaio do Carnahu-
bal, Antonio da Silva Sampaio, que casou em Periperi,
Piauhy, na familia Castello Branco, D.a Silveria Sampaio,
implicada na morte do P.c Valcac¿r, D." Joanna Fran-
cisca, que casou com o C.el Diogo Gomes Parente e foi
sogra do C.el Joaquim Ribeiro e' de Joaquim Lourenço
da Franca e D.a Joanna, que foi sogra do C.el Bastos, de
S. Francisco de Uruburetama.
Ahi chegados, encontraram um barracão construido
por Silva Sampaio, onde o governador teria de des-
cançar, e em cujo centro estava uma mesa. Entrados no
barracão, no meio da mais sincera amizade e com-
municação domeslicj, diz o proprio Martins Chaves,
João Carlos retirou de dentro de uma da; malas
uma coroa real, depôl-a sobre a mesa, e dirigindo-se
a Martins Chaves perguntou si conhecia de quem era
aquella coroa. Respondeu o interpellado que era de
Sua Magestade, sua Soberana. Retorquiu-lhe João Car-
los': Pois em nome della se considere preso. Martins
Chaves tirou a espada da cinta, beijou-lhe os copos e
fez delia entrega constituindo-se assim prisioneiro.
Francisco Xavier vendo aquella scena, convidou João
Carlos para um particular e João Carlos respondeu-
Ihe : não tenho particulares, siga o exemplo de seu tio,
e elle assim o fez.
As cousas se passaram como ahi fica relatado; i>so,
sim, é que se coaduna com o espirito cavalheiresco de
João Carlos, incapaz do acto, que lhe emprestaram Kos
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ter e Southey, chegando a imaginação desses dois auc-
tores a descrever o facto corno tendo tido logar na
propria casa de Martins Chaves, onde se hospedara João
Carlos, o que ainda mais aggravaria o aleivoso do acto.
, * Fica, assim, liquidada a questão do local onde se
effectuou a prisão. Foi em S. Pedro de Ibiapina, não ha
duvida. A respeito divergiam os historiadores. A prisão
se deu na Villa dos Feitozas, povoação próxima do mar,
disse Koster, quando tal villa nunca existiu no Ceará ;
em Villa Nova d'El-Rey disse João Brigido ; em Viçosa
escreveu Paulino Nogueira, architectando sua preferen-
cia, alicerçando seu conceito sobre os erróneos detalhes
de Koster e Southey e sobre a tal Devassa, examinada
por Araripe.
Viçosa não precisa de semelhante facto para figurar
na historia cearense. Outros títulos a recommendam ou
a fazem conhecida. Viçosa é a patria de Tiburcio e
Clóvis Beviláqua ; de Viçosa partiu contra os Portu-
gueses de Fidié um contingente de Ordenanças sob o
commando do Capitão Paulo Fontenelles, e contra os Ba-
laios o Capitão indio Luiz José de Miranda, que mor-
reu quasi centenario; no seu termo ficam Mombabo e
Buriti Grande onde os Mourões e Gadelhas, alliadosao
C.e1 Joaquim de Farias, destroçaram os Balaios; Viçosa
foi o theatro das luctas entre os Macacheiras, homens
brancos, e os Juritis, mamelucos, que se dizem descen-
dentes de Camarão, sendo que os Macacheiras alli se
estabeleceram na era de 30, quando da ida de Ignacio
José Correa em companhia do professor Ferreira de
Souza, pae de Tiburcio. E isso pelo que se refere a
factos mais recentes, que a antiga historia de Viçosa é
fértil de casos e desperta justo interesse.
Quando se deu a prisão não posso precisar ; com
certeza não foi em 1804, como disseram Pompeu (Ens
Estatistico t. 2.°) e Pretéxtate Maciel (Os Generaes do
Exercito Brazileiro), mas não andará longe da verdade
quem remontal-a a Novembro ou Pezembro de 1805,
tendo-seem consideração que os prisioneiros permanece-
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14 BKVISTA TRIMKNSAl.
ram em Fortaleza por 84 dias e em Aracaty por 8 e de-
ram entrada no Limoeiro em Lisboa a 26 de Maio de 1806.
Presos em [biapina, Martins Chaves e o sobrinho,
que João Carlos reputava o peior e o mais cruel dos
dois, seguiram para Sobral sob a guarda do Capitão de
cavallaria Alexandre Nery Pereira, tio do P.* Dr. Ibia
pina e que mais tarde figurou entre os implicados no
movimento de 1824. Aquelle embarque em jangadas e
depois em navio que bordejava perto e que veio tra-
zer a Fortaleza o governador e os presos, aquelle alarme
dos partidarios do Coronel correndo até a praia e pre-
tendendo libertal-o são outras tantas ficções, quaes a da
pistolla posta ao peito de Martins Chaves em troca da
notável cortezia com que agasalhara o hospede traiço-
eiro.
De Sobral, onde foram entregues ao capitão mor
Antonio de Castro e Silva, que por lhes haver dado
um certo tratamento incorreu no desagrado de João
Carlos, vieram' os presos para Acarahú, e como ahi não
encontrassem embarcação como também não encontraram
em Fortaleza, onde permaneceram oitenta e quatro dias, fo-
ram condusidos para Aracaty e de Aracaty para Recife,
cujo governador tratou-os com humanidade. De Recife
levou-os pata Lisboa o Ajudante de Cavallaria Alexan-
dre José Leite Chaves, a quem o governo mandou pa-
gar por Ordem de 13 de Agosto de 1806 o que despen-
dera no desempenho da commissão de que fora encar-
regado e bem assim o necessario para a volta ao Brazil.
Elles nunca tocaram na Bahia como a João Brigido
informou Manoel Martins Chaves e Valle e pois não lo-
graram o auxilio monetario de Christovam da Rocha Pitta.
Chegados a Lisboa, foram mettidos nos cárceres do
Limoeiro, donde escreveram ao Principe Regente e ao
Ministro Visconde de Anadia os seguintes requerimen-
tos, que muito esclarecem' e comprovam a minha nar-
rativa :
« Ulmo. e Ex.mo Snr. As virtudes moraes e poli-
ticas que fazem o caracter de V. Ex.a unidas ao san-
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DO INSTITUTO DO CEARÁ 15
gue illustre que lhe circula pehis vêas e a preciosa
educação que teve do melhor dos Pais todas estas cir-
cunstancias nos obrigão a irmos deste modo prostrar-
nos aos seus pés e supplicar-lhé pelo amor de Deos e
mesmo pelo amor do Principe N. Snr. se queira com-
padecer da nossa desgraça differindo ao requerimento
que induzo temos a honra de remetter á V. Ex.". Se
a Divina Providencia compadecida dos Brazileiros per-
mittio que fosse V. Ex." nosso Ministro de Estado pri-
vativo não he possível que sejamos desgraçados e que
só para nós não se difunda a beneficencia do Ceo.
Deos g." a preciosíssima Pessoa de V. Ex.a para
nosso amparo e lhe dê tantas felicidades quantas de-
vem receber do Omnipotente os bons e os bemfeitores.
Eis o que a V. Ex.a desejão estes que tem a feli-
cidade e a honra de ser. De V. Ex.a. Os mais humildes
e reverentes subditos. Manoel Miz Xaves. Fran.c» X."'
de Ar.0 Xaves — Ulmo. e Ex.m0 S. Visconde de Anadia».
• A. V. A. R. Recorrem Manoel Martins Chaves, e
Francisco Chavier de Araújo Chaves, naturaes e mo-
radores na Capitania do Seara Orande onde aquelle
tem a honra de ser Coronel de Cavalleria e este de
ser Cap.,m do mesmo Corpo os quaes se achão prezos
na cadêa da Corte á ordem de V. A. R. como se mos-
tra do documento junto supplicando com as mais vi-
vas expressoens da sua alma se queira V. A. R. com-
padecer do actual estado a que se achão reduzidos sem
comtudo terem commettido crime algum pelo qual te-
nhão merecido ter supportado as violencias e infamias
que lhes tem provindo da sua prizão dés do Seara athé
esta Corte onde se achão capturados.
Os Suppl." tendo ido acompanhar politica e ob-
zequiosamente o seu governador que voltava para a
Capital dés da V.a de Villa Nova d'El-Rey onde tinha
acabado de fazer revista as Tropas respectivas e onde
os Supp." sani moradores eis que chegando todos á
povoação de S. Pedro no meio da mais sincera ami-
zade e communicação domestica lhe pedio o Gover-
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1Ò REVISTA TRIMESSAL
iiador que lhe entregassem as suas espadas o que cum
prindo os Supp." promptain.' lhes ordenou que se-
guissem a risca as ordens do Ajudante. Sem saberem
os Supp." o seu destino nem o motivo que os condu-
zia á condição de presos chegarão a Capital onde fo-
rão recolhidos separadamente na Fortaleza do Seara
Grande e em segredo com ordens p.a não communica-
rem com algum de seus parentes nem outra pessoa
algua. Naouella masmorra estiverão os Supp.es oitenta
e quatro dias tendo por cama sua rede e sem outro
fato para mudarem alem das fardas com que forão
prezos e da camisa que trazião a cujo estado depois
de oitenta dias se não pode referir sem tedio e sem
horror.
Da referida Fortaleza forão conduzidos sem alinho
e sem a mais pequena decencia no mesmo estado em
que se achavão para a Villa do Aracaty onde fo-
rão da mesma sorte e ainda com mayor ignominia en-
carcerados lançando-se-lhes grilhoens aos pez e prohibidos
de toda a communicação. Nessa prizão tendo estado
oito dias embarcarão para Pernambuco indo em toda
a viagem com os mesmos grilhoens o Supp.e Fran-
cisco Chavier de Araújo Chaves athé que chegarão a
aquella Capitania em cujo Governador e Cap.»" Gene
ral acharão politica e humanidade e todas aquellas vir-
tudes que devem fazer o homem de bem e o homem pu-
blico.
Todos estes factos são filhos da verdade e da honra
dos Supp.es não dão documentos porque no Seara lhes foi
prohibida toda a communicação chegando á tal excesso
que athé provizoens de carne e algum fato que a sua
familia lhes mandava foi tomado no caminho por escol-
tas incumbidas de similhantes execussoens.
A vista de tudo quanto os Supp.es acabão de ex-
por com a mais escrupulosa verd.e prostrados aos pés
de V. A. R. implorão a Soberana protecção de hum
Principe tão amado dos seus Vassalos Brazileiros, de
hum Principe a q.m os Supp.cs servem ha tantos annos
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com tanto zelo e fidelidade com quanta talvez o não
tenha feito aquelle mesmo Govern. ' que os prendeo,
de hum Principe que no Seará se appellida as Delicias
de Portugal e humildem.» rogão que attendendo V. A. R.
a idade do Supp.e Manoel Martins Chaves hum pobre
velho de mais de secenta annos as molestias que tra-
zem comsigo mesmo a idade ao espaço de oito mezes
de prizão sem em todo este tempo terem noticias de
suas numerosas familias mulheres e filhos de am-
bos os sexos e a pobreza do Supp.c Francisco Cha-
vier se digne por seu Regio Avízo manda-los soltar
da prizão em que se achão para debaixo de Fieis Car
cereiros tractarem do livramento do crime que se lhes
imputar visto uue o ignorão pelo que P. a V. A.R.
pelo amor de Deos e felicidade da Augustissima Fa-
milia Real se digne fazer aos Supp.es a Mercê que hu-
mildemente implorão».
A entrada délies no Limoeiro teve logar a 26 de
Maio de 1806. E' o seguinte o assentamento dos pre-
sos no livro competente a folhas 8 pelo guarda-livros
da cadeia Antonio Luiz de Oliveira" Parente :
-Manoel Martins Chaves, Coro.iel do Regimento
da Cavaleria de Villa Nova d'El Rey na Cappitaiiia
do Seará, cazado com Dona Ursula d mçalves Vieira,
filho de José de Araújo Chaves natural da dita" Cap-
pitania idade de sessenta e hum annos.
Francisco Xavier de Araújo, Cappitão do Regi-
mento da Cavaleria de Villa Nova de El Rey na Cap
pitaiiia do Seará da Quinta Companhia, cazado com
Dona Izabel Ferreira de Souza, filho de José de Araújo
Chave;, natural da dita Cappitania idade de quarenta
e cinco annos. A ordem de Sua Alteza Real, expedida
por Avizo da Secretaria de Estado dos Negocios da
Marinha e Dominios Ultramarinos, executada pelo De-
zembargador Pedro Duarte da Silva, como Juiz da Ve-
zita do Ouro, conduzidos pelo Meirinho do Saque
da Moeda Vicente Jozé de Siuza e pelo Escrivão da
Superintendência dos Contrabandos Agostinho Pereira
de Abreu em vinte e seis de Maio de mil oitocentos e
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seis. E não contem mais os ditos dous Assentos a que me
reporto, de que fiz passar a prezente que vai por mim as-
signada. Lisboa vinte e sete de Maio de mil oitocentos e
seis annos An.10 Luis de Olivr." Par." —
A filiação de Francisco Xavier no documento su-
pra está visivelmente errada.
O feito de João Carlos mereceu-lhe os agradeci-
mentos da Cámara de Villa d'EI Rey, elogiosas Pro
visões do Conselho Ultramarino e, o que é melhor, a
sympathia c a gratidão do.s povos da Capitania.
Confiscada a fortuna de Martins Chaves, a esposa
e a filha teriam ficado na miseria si não fora a doação
feita á 2.a pelo tio e padrinho Antonio de Souza Car-
valhedo, homem rico, casado, sem filhos, que a cons
tituiu herdeira dos seus haveres, e si não fora o au-
xilio que lhes prestou o Capitão-mor Antonio da Costa
Leitão, que as teve sob seu tecto até a morte de uma
e o casamento da outra.
Entre os bens confiscados estava a fazenda Riacho
do Oado, em Cratehus, duas leguas quadradas de terra
com 600 vaccas e 8 escravos de fabrica, havida por
compra em 1778 a D.a Luzia Coelho da Rocha Passos
por 12000 cruzados. Arrematou-a José Ferreira San-
tiago por antonomasia o Muqueca, avô materno do Dr.
Umbeliao de Barros, nascido na fasenda Pedra Lisa,
encravada nas ditas terras. O Dr. Umbelino de Barros
foi Desembargador da Relação do Ceará e falleçeu em
Quixadá.
D." Luzia Coelho, natural da Bahia, foi quem edificou
a egreja do senhor do Bomfim em Cratehus, antiga Pi
ranhas, e doou-lhe para o patrimonio uma legua de
terra e uma fazenda de gado. Foi casada cinco vezes e
não deixou filhos. Dessa descendente da Casa da Torre
e de sua fundação me occupei em trabalho publicado
com o titulo Principe Imperial na Rev. do Instituto do
Ceará, anno de 1889.
Escrevem alguns que a nomeação de João Carlos
para governador do Ceará tivera por escopo a prisão
de Martins Chaves. Teria sido esse o fim de sua vinda
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á Capitania. E para melhor explical-a tecem em torno
um como romance : a ida de Pouciana Ribeiro a Lis-
boa, conduzindo as roupas ensanguentadas do marido,
a recorrer á justiça da soberana, e a subsequente com-
missão dada a João Carlos por Dona Maria de quem
elle era afilhado de baptismo. Theberge, João Brigido
e Paulino Nogueira acceitam como verdadeira essa
viagem da infeliz viuva, chegando o ultimo a exprimir
admiração pelo silencio guardado a respeito por Sou-
they com grave prejuiso para a historia.
Ora, eu penso que nada disso é verdade. Em 1."
logar, João Carlos não teve ordens secretas para a
' captura dos criminosos, como escreveu Southey e muito
menos recebeu missão especial nesse sentido, segundo
geralmente se diz. A prisão de Martins Chaves, devida
so ao zelo, incançavel actividade e perspicacia de João
Carlos, como em Officio n.° 10 de 1 de Julho de 1812
se expressa Manoel Ignacio de Sampaio, vinha sendo
de ha muito reclamada, já eu o disse enumerando da-
tas, e pois uma so conclusão se impõe e é que João
Carlos em obediencia a ordens vindas aos seus ante-
cessores e aos governadores das capitanias visinhas e
horrorisado com os delictos de homens, que qualifi-
cava de anthropophagos, agiu porque julgou de sua
obrigação e consciência fazel-o, agiu quando a melhor
occasião se lhe offereceu, não veio ao Ceará com in-
cumbencia determinada, executou por si o que outros
deixaram de executar por medo ou por suborno.
Demais, e essa circumstancia é digna de toda pon-
deração, um emissario da Rainha á colonia para uma
missão determinada, depois de cumprida essa' missão
c >m applausr.s geraes, não ver-se-ia forçado a impetrar
para a Corte a approvação do seu acto, não se em-
penharia nos termos de máximo calor para não volta-
rem á Capitania aquelles dois faccinoras mais próprios "'•
para viverem com jeras de que tem adoptado os cos-
tumes do que com homens que o seu mesmo aspecto
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tfrroriza c, todavia, é essa a constante preocçupação
de João Carlos ila sua correspondencia. Leam-se, por
exemplo, seus officios de 27 de Maio e 2 de Outubro
de 1806, no ultimo dos quaes declara positivamente
que a absolvição dos reus, que elle sabia contarem com
glandes protectores, mormente em Pernambuco, o des
moralisará e o impossibilitará de preencher com digni-
dade cargos em que a consideração e o credito são
tudo.
Acaso comprehende-se que o governo haja enviado
ao Ceará um seu representante de proposito para captu-
rar um criminoso e que esse representante tema e se
acabrunhe na duvida mortal de ser ou não a captura
mantida pelo mesmo governo de quem era o emissario ?
Quanto á ida de Ponciana Ribeiro a Lisboa a recla-
mar justiça pondo aos reaes pés em lance dramático as
roupas ensanguentadas da vidima, e á commissão dada a
João Carlos a quem fazem de afilhado da rainha para
ficar assim augmentada a probabilidade do éxito da in-
cumbencia, penso também que é mais uma lenda a
se ajuntar ás muitas, que surgem e se enraízam na
chronica cearense. Para evidenciar o absurdo e relegalo
ao dominio das creaçôes da imaginação popular basta
o simples confronto de datas. A morte do juiz Barbosa
Ribeiro occorreu a 3 de Março'de 1795 e João Carlos
tomou posse do governo do Ceará a 13 de Novembro
de 1803; e assim sendo não ha que fugir ao dilemma:
ou a viuva teve a paciencia de guardar largos anuos
comsigo a funebre reliquia e de demorar o goso da vin-
gança ou a Rainha teve pouca pressa em desembainhar
a espada da justiça.
O Coronel Martins Chaves falleceu no carcere do Li-
moeiro. Não morreu ao tempo da retirada da família
real, e muito menos foi pasto em liberdade pelos Fran
cezes. Fica assim liquidada a duvida de Southey. Liber-
tou-o a morte, esta sim, e quando D. João 6." estava
ja bem aboletado com seu numeroso séquito nas suas
terras da America.
A data do faltecimento vè-se da seguinte carta de
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